quinta-feira, junho 09, 2005

MUKANDAS DO KABIAKA: À GUISA DE PRÓLOGO...

Eu já sabia que um dia ia cair nesta!...

Mas, por que cargas de água?

Não se trata de fazer periodicamente um exercício de erudição ou intelectualidade, pois, quanto a isso, estou totalmente de acordo com Nietzche:
“mudei-me da casa dos eruditos e bati a porta ao sair”. Ainda, concordo com ele quando afirma que os eruditos ou intelectuais são gente treinada em “buscar o conhecimento como especialistas em rachar fios de cabelo ao meio”. Como dizem os brazukas, “não tenho saco para isso”...

Ó gente, eu sou do mato! Eu nasci no Huambo, no planalto central de Angola, na Fazenda Quissala, bem do ladinho do Forte, a 1710m de altitude, e fui criado na savana do Catofe, no centro do Kuanza Sul, a 1200m de altitude, a 350 km de Luanda na direção do Huambo (ver mapa, abaixo), em meio às vacas leiteiras que os açorianos ou
“solianos” – na transliteração do Kimbundu – consideravam quase sagradas e queriam ensinar a falar em português ilhéu nasalado e cantado como as ondas que fustigam os calhaus basálticos das Ilhas do Mar Poente, mais exatamente, da ilha de S. Jorge, sim, aquela que é conhecida como o “paraíso das mulheres, o purgatório dos homens e o inferno das vacas”... Para não perder o fio à meada, eu explico depois a razão desta expressão. Talvez, pelo que eu disse antes, eu faço questão de usurpar, para serem totalmente minhas, as palavras do criador de Zarathustra: “Amo o ar sobre a terra fresca. É melhor dormir em meio às vacas que em meio às suas etiquetas e respeitabilidades”. Portanto, não pensem que eu vou aqui “puxar o saco” de alguém, ou vou sentir maior admiração por quem puxa o meu, ou vou expressar raiva por quem vai chutar o meu dito cujo... Aqui, será uma tribuna de respeito, séria, mas não exageradamente, pois não tenho vocação para “salamaleques”.

As minhas letras neste quase-diário serão apenas reverberações dos meus pensamentos sobre a arte do possível, que procuro exercitar no dia-a-dia, tentando criar novas possibilidades para transformar a vida, a minha e a de todos os que já entenderam que o segredo do sentido da vida reside no amor e na paixão por algo, pelo que se faz. Sim, é verdade, como lembra Rubem Alves,
“o amor e a paixão não anseiam pela aposentadoria, porque são eternamente jovens”. A história da humanidade não registra, até ao momento, a reforma ou aposentadoria dos que procuraram viver apaixonados, de Miguel Ângelo, Picasso, Jorge Amado, Fernando Pessoa, etc.

Assim, o que eu escrever apenas é um pálido espelho do meu amor e paixão pela minha vida, do passado ao presente e, quiçá, futuro que imagino; é uma introvisão das cavernas da minha alma de
inhameiro, muangolê, tuga e brazuka, vertida em declarações de amor e paixão pelas minhas raízes e vivências açóricas, em meio ao Mar Poente ou à savana, pela minha angolanidade que teima em se expressar longe de Angola e pela minha maturidade brasileira perenemente enfeitiçada. Cometo algum sacrilégio e agrido a veia ultranacionalista de alguém se disser que me sinto “luso-açórico-angolano-brasileiro”? Se alguém disser que isso não existe, eu lembro que Fernando Pessoa profetizou que o futuro dos portugueses “é ser tudo”... Por isso, eu sou toda essa miscelânea, qual futura torre de Babel emergente em carne viva e pensante... Escreverei sobre o tudo e o nada, filosofia, educação, espiritualidade, política, poesia, história e... Sei lá que mais? Uma coisa é certa, aqui, não haverá lugar para a baixaria, calúnia, difamação, boataria; a crítica, embora sem ser pessoalizada, certamente, estará presente – às vezes, terei que parar de escrever para secar com a mão o veneno que babarei pelos cantos da minha boca. Afinal, como humanista inveterado, acredito que as pessoas são essencialmente boas e que, mesmo, quando muito imperfeitas e erradas, são sempre perfectíveis, se desejarem assumir essa opção, a qualquer momento.

A terminar, porquê KABIAKA? Assim, me apelidaram na infância os
Kibalas, eles mesmos, aqueles que trabalhavam para o meu pai, brincavam comigo e me ensinaram a comer salalé e a pegar as mais perigosas cobras, desde a mais tenra idade. Kabiá-Kabiaka é o bicho cabeludo que deixa a mão inchada aos que o tocam. Eu acho que as minhas travessuras de kandengue, com menos de seis anos, deixavam alguns adultos bastante incomodados, principalmente, o mais-velho Kimbaça, quando eu puxava a mangueirinha da gasolina para esvaziar o tanque da motorizada dele, ou o mais-velho Angélica, quando eu enchia de gravetos as narinas dos seus leitõezinhos, para grande desespero e chiadeira das criaturinhas... Tinha mesmo que virar engenheiro civil, já que bastavam o meu irmão veterinário nato e o meu pai ganadeiro incorrigível para se interessarem, lá em casa, pelo suave odor de vacas leiteiras e outros bichinhos não menos esquisitos e cheirosos... Aliás, na minha família, todo o mundo é louco (leia-se 'maluco esclarecido') ou idiota (leia-se 'cheio de ideias') e cada qual tem a sua maluqueira ou idiossincrasia, conforme o caso.

Até mais ver!

Kabiá-Kabiaka, a quem o meu pai resolveu denominar tão eruditamente, em meio às etiquetas e respeitabilidades das suas vacas leiteiras, na savana do Catofe, de Lúcio Flávio da Silveira Matos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Este blog é muito massa. Gostei!