domingo, julho 20, 2008

PENDÊNCIAS KATOFIANAS

Você já ouviu falar em “detrator”? Esse vocábulo provém da palavra latina “detractore” e se refere a quem detrai, do verbo “detrair”. E o que é detrair? É abater o crédito de alguém, depreciar o seu mérito, a sua reputação ou a fama, difamar, infamar, detratar.

Eu nunca me preocupei que a minha imagem passasse pela unanimidade da aprovação de quem me conhece, até porque, como dizia Nelson Rodrigues: “toda a unanimidade é burra”. Contudo, nunca pensei que passados mais de 30 anos da minha saída da savana do Katofe, agora, com quase 55 anos, com cinco filhos, e a residir numa recôndita cidade do Sul do Brasil, a centenas de quilômetros do Katofiano mais próximo, houvesse algum Katofiano interessado em detrair a minha imagem pública, com base em percepções por ele colhidas no passado. Assim é, realmente, prezado leitor!... Alguém, recentemente, me transmitiu que na boca de um ou outro Katofiano eu sou visto com muitas reticências, a ponto de um deles me chamar de “louco” por ter adotado três filhos no mesmo dia, o que já ocorreu em 1996. Vem a propósito lembrar o que escreveu Saulo de Tarso: “Para envergonhar os sábios, Deus escolheu aquilo que o mundo acha que é loucura; e, para envergonhar os poderosos, ele escolheu o que o mundo acha fraco” (1 Coríntios 1:27).

Eu encarei a notícia com uma risada salutar. Poderia até ter deixado por isso mesmo, mas como “quem não deve não teme”, resolvo voltar aqui ao assunto para contribuir positivamente para que o nosso mundo se torne sempre um lugar melhor para se viver. Aliás, quem me lê já deve ter notado que os meus escritos se pautam essencialmente pela positividade; recordo um passado na savana do Katofe com o objetivo de lançar luz no presente, reforçando a identidade e auto-estima de quem por lá passou, e não com melancolia ou revolta por algo que poderia ter ocorrido de forma diferente, quanto à descolonização, como vejo em outros blogs; também, não procuro escrever sobre coisas negativas do presente africano, embora quando falo de vicissitudes o faço sempre a apontar esperançosamente para dias bem melhores.
Assim, quando escrevo sobre o assunto dos meus detratores katofianos, o faço com o único objetivo de desatar os nós que porventura entre nós existam, pois só desatando os nós que aparecem na nossa vida é que podemos ser livres. Portanto, meus detratores katofianos, vocês desejam ser livres? Então, venham comigo aqui desatar os nós. Resolvam aqui as pendências que têm comigo. Livrem-se das coisas mal resolvidas, dos sentimentos amarrados e, aos poucos, vocês se libertarão...

Eu acho que posso dar uma grande ajuda nas reflexões que escrevo a seguir.

O VALOR DA CRÍTICA

Por que é que eu ri ao tomar conhecimento das ressalvas e críticas negativas de alguns katofianos a meu respeito?

Em primeiro lugar, porque eu não aceito todos os presentes que me querem dar, principalmente, se os identifico com o célebre “presente de grego”. Se alguém me dá um presente, e eu não aceito, então, com quem fica o presente? Resposta óbvia: com quem quer dar o presente; o presente não sai da procedência. Realmente, hoje, eu sou “macaco velho”, e nunca tomo para mim os sentimentos de outrem que vêm carregados de lixo emocional. Há pessoas que não conseguem controlar as suas emoções negativas e, por isso, acreditam poder sentir um alívio se as transferirem para outros, isto é, acreditam poder controlar o universo emocional dos outros, elegendo alvos ou vítimas e fazendo aliados para atingir os alvos eleitos. Como diz o brasileiro: “comigo o buraco é mais em cima”.

A segunda razão da minha satisfação, ao ouvir as críticas, é que, no presente, eu encaro todos que encontro na minha caminhada da vida terrena, dos mais humildes aos mais poderosos, como verdadeiros mestres, então só tenho a aprender algo de bom com quem encontro. Realmente, quando identifico a crítica como sincera, ela se torna para mim num saudável sinal de alerta para a correção dos meus defeitos, que não são poucos. Às vezes, os elogios muito entusiasmados são venenos que criam ilusões e debilitam o meu espírito, principalmente, quando são desprovidos de sinceridade, ou seja, pura bajulação.

O que eu menos desejo é que quem aqui me lê encare esta minha mensagem como uma censura ou julgamento dos meus detratores katofianos. Embora só me esforce por recordar e escrever sobre as boas ocorrências que vivenciei no Katofe, por lá não era tudo rosas. Então, era muito natural que lá também rolassem intrigas e traições, como em todo o lugar debaixo do sol. Portanto, é absolutamente natural que de lá me tenham sobrado alguns dos meus detratores atuais.

Tenho como norma de conduta não julgar os outros. Eu não sou capaz de saber ou de sentir o que cada Katofiano sabe ou sente. Quiçá, os meus detratores katofianos tenham justificativa para sentirem o que sentem por mim. Assim, também, ninguém mais é capaz de saber ou sentir o que só eu sei e sinto, ou soube e senti, quando assumo ou assumi certas ações e reações. Numa coisa vamos concordar agora, como estamos sempre em busca da sabedoria para melhor viver, devemos lembrar o pensamento: “o sábio não julga, apenas observa e aceita, se possível”.

COMO AVALIAR O CERTO E O ERRADO

Prezado conterrâneo Katofiano: quem sou eu para lhe dizer o que é certo e errado? Quem é você para me dizer o que é certo e errado? Antes, vamos nos empenhar em descobrir realmente quem somos nós além do certo e do errado.

Quando percebermos muitos defeitos num indivíduo, principalmente, se for outro patrício katofiano, a melhor estratégia a seguir para a nossa própria saúde mental é começar a procurar nele qualidades virtuosas para elogiar. Não basta imaginar elogios que poderíamos fazer àquela pessoa. É melhor agirmos com muita sinceridade e persistir na busca de qualidades positivas, aliás, que qualquer ser humano tem. A tendência natural é que à medida que formos descobrindo pontos fortes na pessoa examinada nos surpreendermos com a nova pessoa que surgirá na nossa frente. Essa pessoa ainda terá defeitos; mas também qualidades. Você já tentou fazer isso a meu respeito, meu detrator Katofiano? E já tentou fazer esse exame consigo mesmo? Faça e a sua auto-estima se elevará muito!

Na há solução, temos que compreender e aceitar os outros katofianos como eles são. Evitemos magoá-los ferindo o seu amor-próprio. Cada um tem as suas razões para agir ou ter agido deste ou daquele jeito. Você tem ou teve as suas e eu tenho ou tive as minhas. Além disso, o que há de mais valioso nesta vida é a experiência. Já dizia o maior dos Lusíadas, entre os quais nos orgulhamos de pertencer: “Não há como o saber de experiência feito” (Luís de Camões). E a experiência não é só acumular conhecimento; é muito mais, é essencialmente errar e aprender; e errar novamente. Não seja tão reprimido e repressor! Experimente! Aprenda também errando! Se você jogar esse jogo, você nunca se dará mal, porque a vida é um jogo em que não há ganhador nem perdedor. Quem ganha é o jogo.

Agora, se você é um perfeccionista, só tem um jeito de se curar dessa doença, que é colocar na sua cabeça o seguinte conceito: “a perfeição é o melhor que você pode fazer naturalmente”. Portanto, tudo o que eu fiz no Katofe, quer encaixe ou não no seu código de crenças e valores, meu amigo katofiano, eu fiz tudo com absoluta perfeição porque o fiz tudo o que pude e muito naturalmente. Não tenho que me arrepender de nada. Eu nunca errei, só aprendi! Ainda mais, eu começo cada dia de vida perdoando a mim mesmo pelas eventuais besteiras que vou realizar durante o dia, pois só erro por inexperiência e não por ser portador de um mau caráter, seja herdado ou cultivado. As pessoas de mau caráter não conseguiam se criar no nosso Katofe; e eu me criei lá!

Quem vive com a pretensão ou soberba de ser o “certinho” da família, de sempre acertar e nunca errar, um dia cai estrondosamente do cavalo da sua perfeição. Nesta vida somos meros equilibristas. O equilibrista só consegue se equilibrar porque seu andar é desequilibrado. Ele anda de acordo com a tensão da corda e parece sempre que vai cair. Se ele seguisse duro e direito, com certeza cairia, porque a corda é bamba. Você, meu detrator katofiano, chegou aonde chegou na vida porque não andou sempre duro e direito, então, por que tem a veleidade de exigir que eu fosse sempre duro e direito, principalmente, nos meus tempos de liberdade da meninice e juventude do Katofe? Não seja tão rígido, seja mais maleável em suas opiniões e exigências! Lembre-se que o bambu verga, mas não quebra, porque é flexível e não rígido.

O SER HUMANO É DINÂMICO

Meu amigo Katofiano, você sabe o que é preconceito? O preconceito é o dogma da mente. É você ser dominado por idéias que você não sabe nem se são suas. Se você não quer ser preconceituoso e, sobretudo não julgar os outros com preconceito, então, esvazie-se um pouco, torne a sua carga mental e emocional mais leve, jogue fora velhas idéias e velhos conceitos que apenas turvam a visão e não o deixam enxergar o novo. Na savana do Katofe, aprendemos juntos que as folhas caídas da mulemba na frente da igreja jamais retornavam à árvore. Portanto, desprenda-se do passado e não viva de más lembranças. Recorde apenas as boas lembranças porque essas, sim, podem ajudar você a viver mais intensamente o presente, o agora. Viva o agora!

Eu não sou o que você pensa de mim. Ainda, não sou mesmo o que eu penso de mim. Então, quem sou eu? O que menos interessa é pensar nisso. Você é o que é, e isso lhe basta! Eu sou o que sou, e isso me basta! Cada um é o resultado das suas ações. Examinando o meu estado atual, pelos vistos, as minhas ações passadas foram muito boas! Não tenha dúvida! Mas, uma coisa é certa: nunca sou todos os dias a mesma coisa, portanto não posso ser quem você conheceu no Katofe...

Alguém disse: “A vida é um eterno ensaio. Repetimos todos os dias as mesmas coisas. Mas nunca é a mesma coisa”. O dia é claro e a noite é escura. Mas há o amanhecer e há o escurecer. Tudo é um processo e tudo se transforma. Tudo na vida é movimento. O dinheiro está em movimento, o ar está em movimento, o sangue está em movimento. Então, não se prenda aos sentimentos negativos. Isso é mesquinharia. Deixe o sentimento negativo chegar, observe-o e deixe-o afastar-se de você. Não fique se remoendo ou agarrado a um sentimento negativo que já deveria ter passado, antes, deveria ter ficado lá no tempo da sua vida no Katofe.

Gosto muito de recordar a experiência de vida dum pintor japonês que pintou apenas um quadro em toda a sua vida. Quer dizer, ele pintou o mesmo tema inúmeras vezes, durante toda a vida. Ele mostrou que também nós podemos pintar o mesmo quadro todos os dias, mas nunca um quadro será igual a outro. Assim, ocorre comigo – o Lúcio de hoje não é o mesmo de ontem e, muito menos, o Lúcio do Katofe!
.
Um grande abraço do Kabiá-Kabiaka.