domingo, novembro 12, 2006

RIQUEZA OU MALDIÇÃO?

Nos anos 1960, cresci a ouvir histórias de tesouros secretos que a minha terra Angola escondia a sete chaves nas profundezas mais recônditas do seu subsolo e que aguçavam a cobiça das potências colonialistas. Todavia, a dura realidade à nossa volta desmentia totalmente essas histórias das 1001 noites. A esmagadora maioria do povo praticava uma agricultura de subsistência e até os mais aquinhoados pela sorte, negros ou brancos, tinham que labutar muito para conseguir algumas sombras das facilidades que eram perfeitamente acessíveis aos operários das fábricas dos países industrializados da Europa e da América do Norte, onde os recursos naturais e minerais não são, ainda hoje, tão decantados como os principais indutores de riqueza para um país. Dizia-se, então, que a independência asseguraria a transformação de Angola de terra da promessa em terra da certeza promissora para o seu povo abandonado e explorado, graças a uma maior justiça na distribuição da riqueza garantida pelos seus recursos naturais. É isso o que tem ocorrido desde 1975, o ano que marcou a independência tão esperada?

A resposta à pergunta anterior pode ser construída paulatinamente de forma indireta pelas respostas a outras perguntas: a abundância de recursos minerais garante sempre a riqueza dum país? Os países mais ricos em recursos naturais são os que mais têm progredido nos anos recentes? O que tem determinado essencialmente o progresso das nações mais ricas no último século?

Entre 1960 e 1990, exatamente, o período em que a totalidade dos países da África subsariana viveu a infância e a juventude da sua independência do colonialismo europeu, verificou-se a nível mundial que os países com escassos recursos naturais cresceram duas ou três vezes mais depressa do que os que nadaram em petróleo e outras riquezas minerais muito valorizadas. Como afirma textualmente Martin E. Sandbu, pesquisador na Universidade de Columbia, “o mais desanimador da miséria da África é o contraste entre a vasta riqueza natural e a abjeta destituição de seus povos”. Ainda, acrescenta que “apesar da imensa riqueza de recursos fósseis e minerais, cerca de metade da população que habita a região subsariana sobrevive – ou não consegue sobreviver – com menos de um dólar por dia”. As razões que explicam o maior crescimento paradoxal dos países menos abençoados pela natureza são diversas, mas a principal é que esses países tiveram que fortalecer e aprimorar as suas instituições como a única saída para vencer as dificuldades. Estes países investiram muito em educação, produção de conhecimento e na construção de instituições que garantem democracias fortes. Enquanto isso, nos países em desenvolvimento mais ricos em petróleo, por exemplo, os governos eram vítimas da autocracia, ganância e corrupção. A “maldição dos recursos” fez do petróleo “o excremento do diabo”.

O caso dos países africanos ricos em recursos naturais é dramático, se analisarmos a sua situação paradigmática quanto à transformação de uma bênção da natureza em pura maldição para os seus povos, de modo geral. A generosidade mineral tem sido usada para engordar as contas de alguns políticos corruptos, para afastar sistematicamente as esperanças por mais democracia e até para financiar guerras civis fratricidas que parecem se eternizar. Para quê citar exemplos, se eles são muito conhecidos por todos os que se interessam pela problemática africana? Por alguma razão a África é conhecida como o “continente esquecido” ou “continente perdido”...

No caso muito particular da nossa terra, Angola, sabe-se que após a independência o petróleo passou a jorrar do subsolo em progressão geométrica, ano a ano. Como foi usada essa riqueza? Para ajudar na resposta que deve ser dada pelos leitores seguem alguns indicadores:

  1. Os políticos nacionalistas que combateram o colonialismo português anunciaram uma pátria livre, igualitária e próspera, mas demonstraram total incompetência para governar o país harmoniosamente e conduziram o seu povo para uma longa guerra fratricida de 27 anos. Claro, sobram desculpas que os estrangeiros foram os verdadeiros indutores das querelas entre os ingênuos “angolanos genuínos”, pois esses povos estrangeiros mal intencionados fomentaram e prolongaram o estado de guerra civil para melhor rapinarem as riquezas naturais do país...
  2. Mais da metade dos 13,2 milhões de angolanos são crianças e o país tem uma das taxas mais altas do mundo de mortalidade infantil, abaixo dos cinco anos, com 260 mortes por 1000 nascimentos. Também, 45,2 por cento das crianças com menos de cinco anos sofrem de subnutrição persistente, 31 por cento têm peso a menos e 6,2 por cento estão gravemente subnutridas.
  3. O país ocupa o 164º lugar entre 175 países no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que considera combinadamente indicadores de emprego, educação e saúde.
  4. Quanto à educação, 44% das crianças não freqüentam a escola primária.
  5. Quanto à saúde, em 2001, 104.000 crianças ficaram órfãs devido à AIDS ou SIDA e as previsões indicam que este número irá aumentar até 331.000, em 2010.
  6. Ainda, a esmagadora maioria da população se concentra nas cidades, como conseqüência lógica da longa guerra civil, porém 68% da população urbana vivem abaixo da linha da pobreza e a quase totalidade da população rural vive uma situação econômica de subsistência.
  7. Finalmente, em 2006, a Transparência Internacional mais uma vez concluiu que há relação estreita entre percepção de corrupção e pobreza nos 163 países avaliados, tendo Angola ocupado o 142º lugar com uma nota de 1,9 a 2,4, pouco acima do último lugar ocupado pelo Haiti com uma nota de 1,7 a 1,8 (escala de 0 a 10).

Então, qual a situação em que ter um subsolo rico pode ser uma grande vantagem competitiva? A resposta é óbvia: quando os líderes do país são honestos, como produtos diretos de uma sociedade ética e sadia, ou seja, “a sociedade de confiança” de que falava Alain Peyrefitte. Realmente, a riqueza do subsolo dos Estados Unidos da América foi decisiva na origem do seu desenvolvimento como grande potência mundial. Porém, mais tarde, o fortalecimento das instituições democráticas, a educação universitária, a inovação tecnológica e a expansão do livre mercado assumiram a dianteira do progresso contínuo. Esses fatores garantiram a flexibilidade necessária para o gigante americano escapar da maldição da eterna dependência dos recursos naturais.

Volte sempre,

Kabiá-Kabiaka.