sábado, agosto 18, 2007

MENINICE NA SAVANA

Só o Malua tinha toda a paciência para proporcionar ao seu Kabiaka um passeio tão confortável como este pelas picadas da savana, enquanto o menino Paga-Fogo exercitava as kinamas.


PASSADO PRESENTE

Porto, 13/11/1982

Na janela, as gotas do vapor condensado...
Na retina, as imagens por ele coadas do exterior...
Sinto-me mais só, mais recolhido, mais confortado...
Lembro-me das coisas tristes e belas dum passado teimosamente presente;
Sinto no corpo as riquezas e pobrezas da minha terra distante...
A pele empolada pelo sol escaldante;
Nas veias, o sangue dos heróis duma guerra insensata;
No coração, a angústia e o ódio dos eternos escravizados;
Na mente, a desilusão dos efêmeros desterrados.
Ainda me lembro da meninice livre e despreocupada;
Nas costas do Malua, explorando a savana;
Tagarelando o “kimbundu”;
Mastigando o “salalé”;
Saboreando o “tortulho” e o “funge”;
Caçando os pássaros com fisga e visgo;
Esfolando os sapos com precisão milimétrica;
Calcorreando as “picadas” estreitas e sem fim;
Os pés saltando nas poças enlameadas;
As sandálias filtrando o pó dos “carreiros gentios”.
Vejo cair a chuva copiosa e morna,
Numa harmonia compassada pelas trovoadas ensurdecedoras,
O vapor subindo da língua alcatroada,
O asfalto derretido pelos raios abrasadores,
O pôr do sol cor de fogo,
O “cacimbo” do frio penetrante,
As colunas fumegantes das “queimadas,”
O “capim” verde das primeiras chuvadas,
As altaneiras pedras negras da “fazenda”,
As “baixas” infinitas duma terra acabada.
Tudo acabou! Tudo passou! Mas tudo está presente!