Mas, por que cargas de água?
Não se trata de fazer periodicamente um exercício de erudição ou intelectualidade, pois, quanto a isso, estou totalmente de acordo com Nietzche: “mudei-me da casa dos eruditos e bati a porta ao sair”. Ainda, concordo com ele quando afirma que os eruditos ou intelectuais são gente treinada em “buscar o conhecimento como especialistas em rachar fios de cabelo ao meio”. Como dizem os brazukas, “não tenho saco para isso”...
Ó gente, eu sou do mato! Eu nasci no Huambo, no planalto central de Angola, na Fazenda Quissala, bem do ladinho do Forte, a 1710m de altitude, e fui criado na savana do Catofe, no centro do Kuanza Sul, a 1200m de altitude, a 350 km de Luanda na direção do Huambo (ver mapa, abaixo), em meio às vacas leiteiras que os açorianos ou “solianos” – na transliteração do Kimbundu – consideravam quase sagradas e queriam ensinar a falar em português ilhéu nasalado e cantado como as ondas que fustigam os calhaus basálticos das Ilhas do Mar Poente, mais exatamente, da ilha de S. Jorge, sim, aquela que é conhecida como o “paraíso das mulheres, o purgatório dos homens e o inferno das vacas”... Para não perder o fio à meada, eu explico depois a razão desta expressão. Talvez, pelo que eu disse antes, eu faço questão de usurpar, para serem totalmente minhas, as palavras do criador de Zarathustra: “Amo o ar sobre a terra fresca. É melhor dormir em meio às vacas que em meio às suas etiquetas e respeitabilidades”. Portanto, não pensem que eu vou aqui “puxar o saco” de alguém, ou vou sentir maior admiração por quem puxa o meu, ou vou expressar raiva por quem vai chutar o meu dito cujo... Aqui, será uma tribuna de respeito, séria, mas não exageradamente, pois não tenho vocação para “salamaleques”.
As minhas letras neste quase-diário serão apenas reverberações dos meus pensamentos sobre a arte do possível, que procuro exercitar no dia-a-dia, tentando criar novas possibilidades para transformar a vida, a minha e a de todos os que já entenderam que o segredo do sentido da vida reside no amor e na paixão por algo, pelo que se faz. Sim, é verdade, como lembra Rubem Alves, “o amor e a paixão não anseiam pela aposentadoria, porque são eternamente jovens”. A história da humanidade não registra, até ao momento, a reforma ou aposentadoria dos que procuraram viver apaixonados, de Miguel Ângelo, Picasso, Jorge Amado, Fernando Pessoa, etc.
Assim, o que eu escrever apenas é um pálido espelho do meu amor e paixão pela minha vida, do passado ao presente e, quiçá, futuro que imagino; é uma introvisão das cavernas da minha alma de inhameiro, muangolê, tuga e brazuka, vertida em declarações de amor e paixão pelas minhas raízes e vivências açóricas, em meio ao Mar Poente ou à savana, pela minha angolanidade que teima em se expressar longe de Angola e pela minha maturidade brasileira perenemente enfeitiçada. Cometo algum sacrilégio e agrido a veia ultranacionalista de alguém se disser que me sinto “luso-açórico-angolano-brasileiro”? Se alguém disser que isso não existe, eu lembro que Fernando Pessoa profetizou que o futuro dos portugueses “é ser tudo”... Por isso, eu sou toda essa miscelânea, qual futura torre de Babel emergente em carne viva e pensante... Escreverei sobre o tudo e o nada, filosofia, educação, espiritualidade, política, poesia, história e... Sei lá que mais? Uma coisa é certa, aqui, não haverá lugar para a baixaria, calúnia, difamação, boataria; a crítica, embora sem ser pessoalizada, certamente, estará presente – às vezes, terei que parar de escrever para secar com a mão o veneno que babarei pelos cantos da minha boca. Afinal, como humanista inveterado, acredito que as pessoas são essencialmente boas e que, mesmo, quando muito imperfeitas e erradas, são sempre perfectíveis, se desejarem assumir essa opção, a qualquer momento.
A terminar, porquê KABIAKA? Assim, me apelidaram na infância os Kibalas, eles mesmos, aqueles que trabalhavam para o meu pai, brincavam comigo e me ensinaram a comer salalé e a pegar as mais perigosas cobras, desde a mais tenra idade. Kabiá-Kabiaka é o bicho cabeludo que deixa a mão inchada aos que o tocam. Eu acho que as minhas travessuras de kandengue, com menos de seis anos, deixavam alguns adultos bastante incomodados, principalmente, o mais-velho Kimbaça, quando eu puxava a mangueirinha da gasolina para esvaziar o tanque da motorizada dele, ou o mais-velho Angélica, quando eu enchia de gravetos as narinas dos seus leitõezinhos, para grande desespero e chiadeira das criaturinhas... Tinha mesmo que virar engenheiro civil, já que bastavam o meu irmão veterinário nato e o meu pai ganadeiro incorrigível para se interessarem, lá em casa, pelo suave odor de vacas leiteiras e outros bichinhos não menos esquisitos e cheirosos... Aliás, na minha família, todo o mundo é louco (leia-se 'maluco esclarecido') ou idiota (leia-se 'cheio de ideias') e cada qual tem a sua maluqueira ou idiossincrasia, conforme o caso.
Até mais ver!
Kabiá-Kabiaka, a quem o meu pai resolveu denominar tão eruditamente, em meio às etiquetas e respeitabilidades das suas vacas leiteiras, na savana do Catofe, de Lúcio Flávio da Silveira Matos.
Um comentário:
Este blog é muito massa. Gostei!
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