terça-feira, janeiro 10, 2006

A MINHA SAVANA



“Quando estamos longe da pátria
nunca a recordamos em seus invernos”
-
afirma Pablo Neruda.
“Longe da minha terra,
nunca a recordo pela guerra
ou seus infernos”
-
remato eu.


Blumenau, 15/09/2004


Na minha savana há morros negros
De pedra sã,
Altaneiros,
Como a negra gente irmã
Dos brancos pioneiros,
Que foram embora
Mundo afora...

Na minha savana há morros escuros,
Duros,
De pedra dura,
Resistente,
Como a alma pura
Da nobre gente,
Primeira
Ou derradeira.

Os morros da minha savana
Vão cercando,
Rodeando,
As baixas infinitas
Como os sonhos, a mando
De quem as desbravou
E domou.

Corre na minha savana um rio
Pelas baixas serpenteando,
Cantando e chorando...
Corre na minha savana um rio
De águas límpidas
Que o sangue manchou...

A negra bruma sobe cada morro.
A tinta espuma desce o rio.

Amigo vem, vem comigo!

Não sei quem, alguém chama...
Na savana,
Eleva-se o grito de “socorro”
E desce a minha espinha um arrepio.

Amigo vem, vem comigo!

Quem são os que clamam?
Não sei, mas se me chamam,
Então, eu sei que são meus
E também são teus.

Amigo vem, vem comigo!

Eles me gritam:
“Morremos
E sofremos”.
E me incitam:
“É o teu povo,
Enganado,
O teu povo deserdado,
Na savana estendido,
Entre os morros e o rio,
De fome, de dores,
Não se ergue só por si,
Espera por ti, amigo”.

Amigo vem, vem comigo!

E, também tu, a que amo,
Pequena,
De tez morena,
Qual rara flor do cacimbo [1]
Em plena seca do arimbo... [2]

Amiga vem, vem comigo!

O combate será duro,
Como o granito puro
Dos morros da minha savana.
A vida será dura,
Por um fio,
Como é pura
A água do meu Catofe,
O meu rio.

Mas, vem comigo,
Meu amigo!
O sonho nos liga!
Amiga vem, vem amiga!

Haverá mais quem nos siga?!

Kabiá-Kabiaka


1 Cacimbo: estação seca de Angola, caracterizada pelo frio e neblina, durante a noite e início da manhã.
2 Arimbo: lavra, lavoura, roça.