Pouca gente sabe que a palavra savana é de origem brasileira, dos índios caraíbas que a pronunciavam sabana e tinham uma ideia bem precisa quanto à sua aplicação a um tipo específico de paisagem. Antes da pesquisa que realizei, para tomar balanço e escrever este primeiro capítulo do livro que publicarei com o título “O Menino na Savana: crónicas rebeldes da décima ilha”, eu também nada sabia sobre a origem etimológica da palavra savana que encerra para mim um significado quase místico.
Mas, antes de ir à definição de savana, eu gostaria de divagar um pouco sobre os caraíbas. Eles são um povo da matriz tupi e a sua designação significa “Sábio” ou “Inteligente” (do tupi kara’ib), certamente, porque essa qualidade lhes era atribuída pelas etnias circunvizinhas da mesma matriz étnica. Na época da colonização europeia da América, o povo caraíba habitava o norte e nordeste da América do Sul e várias ilhas da América Central, cujo mar passou a chamar-se pelos primeiros navegadores europeus de “Mar do Caribe”, exatamente, por causa do nome dos indígenas da região. No Brasil, os caraíbas dominavam a Amazônia e eram temidos por praticarem a antropofagia. Aliás, no seu livro “O Povo Brasileiro” o sociólogo e etnólogo Darcy Ribeiro explica que o antropofagismo de algumas tribos tupi não era um mero ato para suprir carências alimentares, por isso, usa a expressão “antropofagia cultural” e refere: “O caráter cultural e coparticipado dessas cerimônias tornava quase imperativo capturar os guerreiros que seriam sacrificados dentro do próprio grupo tupi. Somente estes – por compartilhar do mesmo conjunto de valores – desempenhavam à perfeição o papel que lhes era prescrito: de guerreiro altivo, que dialogava soberbamente com seu matador e com aqueles que iriam devorá-lo. Comprova essa dinâmica o texto de Hans Staden, que três vezes foi levado a cerimônias de antropofagia e três vezes os índios se recusaram a comê-lo, porque chorava e se sujava, pedindo clemência. Não se comia um covarde.” Azar do mui corajoso Dom Pedro Fernandes Sardinha, o primeiro bispo do Brasil, que foi devorado pelos caetés ou tupinambás na costa de Alagoas após um naufrágio, no dia 16 de julho de 1556; pelos vistos, esqueceu-se de imitar Hans Staden, não chorou e como naquele tempo também era válido entre os tupi o velho ditado: “quem não chora, não mama”, se ele tivesse chorado, os índios concerteza teriam lhe dado uma bela índia toda “turbinada” para ele extrair uma saborosa iguaria tropical, em vez de virar repasto dos silvícolas.
Os caraíbas foram os primeiros indígenas das Américas a terem contato com os navegadores espanhóis das naus de Cristóvão Colombo, em 1492, e desde logo passaram a ser escravizados para trabalharem nas colônias espanholas que se fundavam na América Central e do Norte. Aliás, no regresso da sua primeira viagem às suas Índias Ocidentais, Cristóvão Colombo levou 509 escravos caraíbas que foram vendidos em Sevilha em 1495. Assim, não é correta a acusação que é feita aos portugueses de terem começado o negócio de escravos de e para o continente americano. A etnia caraíba praticamente foi dizimada, porque as suas gentes morreram aos milhares no avanço da colonização, pelas guerras de ocupação, pela escravatura e por não possuírem imunidade contra as doenças que os europeus trouxeram.
A savana é por excelência uma região plana, onde a vegetação é constituída essencialmente por gramíneas, adornadas por árvores esparsas de pequeno porte e por arbustos isolados ou em pequenos grupos. Assim, por definição, a savana é uma zona de transição entre a floresta e a pradaria. Existem vários tipos de savana, referindo-se a bibliografia especializada a 5 tipos principais:
1. Savanas tropicais e subtropicais, em latitudes tropicais e subtropicais, caracterizadas por duas estações – uma quente e seca e outra chuvosa –, solo fértil, poucas árvores e grande diversidade de mamíferos, pássaros e insetos, podendo até apresentar escassez de água (semiáridas).
2. Savanas temperadas, em latitudes médias, caracterizadas por possuírem um clima de verão mais úmido e invernos mais secos, além de serem semiáridas (água escassa), têm invernos frios, uma estação temperada e uma mais quente, solo fértil, vegetação essencialmente de gramíneas e os animais incluem mamíferos, pássaros, répteis e insetos.
3. Savanas mediterrâneas, em regiões com clima mediterrâneo, sendo semiáridas, com solo pobre e vegetação arbustiva perene e pequenas árvores.
4. Savanas pantanosas, em regiões tropicais e subtropicais, que constituem ecossistemas localizados, com frequentes inundações, com muita umidade, temperatura morna e solo rico.
5. Savanas montanhosas que se encontram em altitudes elevadas, em zonas alpinas e subalpinas, das diferentes regiões do planeta.
Por tudo o que foi escrito antes, posso assegurar que a minha savana é especial, porque não pode ser classificada num só dos cinco tipos mencionados e tem um povo bem diferente dos pais do termo “savana” – os caraíbas – que os europeus encontraram no novo mundo, no século XV.
Realmente, a minha savana está numa região tropical, a cerca de 11º de latitude Sul, 10º-15º de longitude Este e a 1220m de altitude, sensivelmente no mesmo paralelo de Aracaju, a capital do Estado do Sergipe, no Brasil. Não é nada semiárida, antes, tem abundância de água, já que no meio dela passa um rio caudaloso e perene, o rio Catofe. Ela fica verdejante nove meses por ano, de setembro a maio/junho, durante a estação das chuvas, e tem a estação seca ou cacimbo de junho a agosto/setembro.
Durante a estação das chuvas, chove copiosamente no final da tarde ao ritmo de grandes trovoadas. Grandes inselbergs – monólitos ou formações rochosas isoladas de granito bem sólido – elevam-se de 20 a 150 metros da sua base e delimitam as numerosas “baixas” – planícies – do rio Catofe, onde o capim viceja prenhe a clamar pelos tempos da sua maior utilidade que foi a alimentação das 70.000 cabeças de gado leiteiro, dos idos anos de prosperidade da colonização açoriana que atingiu o auge na primeira metade da década de 1970. Nela o solo é rico, como bem testemunhou a agricultura do milho e das forragens praticada pelos colonos açorianos, após o “desbravamento” da terra que incluía o desmatamento sustentável e a divisão do terreno em lotes para a rotação das culturas e a alimentação do gado.
Um grande abraço do
Kabiá-Kabiaka.