quarta-feira, janeiro 30, 2008
SER O QUE SE É
Andorinhas como as que aparecem no meu Catofe. Em cima, andorinhas Hirundo Rustica; em baixo, andorinhas dos beirais.
Uma das mais deliciosas recordações do meu tempo de infância no Catofe refere-se à faina incessante das andorinhas.
Ao sair da primeira casa do meu Kilamba, a casa velha de adobe com a frondosa varanda frontal a todo o comprimento, convidativa ao repouso e múltiplas brincadeiras criativas de kandengue pelas tardes ensolaradas, bem fresquinha sob a cobertura de telhas cerâmicas tipo Marselha, desembocava num pequeno largo limitado à direita pelo armazém onde o meu velho criava pintainhos acabados de sair das chocadeiras a petróleo (querosene), sempre em funcionamento, e, na frente, pela casa de dois pisos do Sr. Emílio, a quem os Kimbundus preferiam chamar de Kimbaça.
Muitas vezes, já pela manhã, até aos seis anos, quando ainda não ia à escola, logo após o costumeiro matabicho, me dirigia à frente da casa do Sr. Emílio, onde funcionava a loja comercial da firma Oliveira & Dias, no rés-do-chão. Ali, havia um passeio de pedras irregulares de granito com acabamento superficial bem plano, onde as mulheres provenientes das sanzalas em volta colocavam as quindas de milho, mandioca e massambala, para trocar quilo a quilo por mercadorias que o Aníbal ia aviando pacientemente, em metros de panos de pintado, canecas de óleo de palma, pacotinhos de açúcar, etc.
Sentado no passeio de pedra, de olhar ao alto, driblando sob a pala do boné os raios solares que me agrediam a leste bem de frente, contemplativo, admirava as andorinhas no seu trabalho incansável de construção dos ninhos no beiral da casa de primeiro andar. Elas não se importavam com o meu olhar indagador, com os meus pensamentos questionadores e simplesmente trabalhavam com afinco quase imutável. Traziam o barro úmido no bico e construiam cada ninho grão a grão, com muita determinação até ao fim. Não imitavam com inveja outros pássaros que construiam ninhos mais macios de gravetos e capins nas árvores próximas. Portanto, não buscavam a minha admiração ou aprovação. Muito naturalmente, as andorinhas eram o que eram e não queriam ser pombas, ou canários, ou bicos-de-lacre. Elas eram muito felizes em ser o que eram: andorinhas, pássaros engenheiros e construtores.
Assim é que nós humanos deveríamos ser. Ser o que se é. Construir o nosso auto-aperfeiçoamento sem importar-se com o que os outros pensam, se estamos devagar ou depressa, se manifestamos ainda muitos defeitos e poucas virtudes no que fazemos. Estar sempre concentrados em viver e trabalhar de cabeça erguida, de acordo com os nossos melhores valores, sem distrair-se com coisas pouco importantes. Construir em obediência ao nosso plano ou Grande Projeto de Vida. Construir a casa, a vida, a família, a empresa, a sociedade, a nação, o país, o caráter e a personalidade, investindo sempre na autenticidade de SER O QUE SE É.
Um grande abraço do Kabiá-Kabiaka.
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2 comentários:
Finalmente o Lúcio despertou, após um interregno prolongado que causou admiração. Esta reflexão sobre as andorinhas no Cotofe é interessante. Catofe... quem te viu e quem te vê!!!
Abraço
Henrique
Obrigado, Amigão Henrique!
A tua visita é sempre benvinda! Já viste que a assiduidade não é a minha marca de qualidade, mas a persistência... Vou devagar e sempre, sem tomar calmantes, para não correr o risco de andar de ré...
Poderias me enviar mais detalhes sobre o teu paradeiro.
Abraço,
Lúcio Kabiaka.
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