sábado, agosto 25, 2007

A PARÁBOLA DAS FORMIGAS

Rainha e obreiras (In http://pt.wikipedia.org).

O holandês Franz de Waal, de 59 anos, é considerado atualmente o maior dos primatologistas e, como tal, também, é um estudioso das relações sociais de diversas espécies e ordens de bichos, tendo em vista compreender melhor o comportamento do mais notável dos primatas – o ser humano. Em entrevista que li recentemente ele diz o seguinte sobre o péssimo hábito que o bicho-homem tem de se envolver em guerras fratricidas: “As formigas são os bichos que mais se devotam à guerra no planeta. Possuem exércitos regulares, com tarefas bem definidas para cada pelotão, e promovem matanças de grupos rivais. Mas nem entre elas existe algo equivalente ao genocídio, o assassinato maciço de outro grupo da mesma espécie. Só mesmo o homem é capaz disso em todo o mundo animal.” (in Veja, 22/08/2007, grifado nosso).

O trecho da entrevista acima transcrito trouxe à minha mente uma avalanche de recordações e idéias que me têm ferido a sensibilidade há muito tempo e que resolvi verter na parábola que vou passar a contar.

Num tempo em que o planeta Terra era só habitado por formigas, estourou uma grande guerra entre dois grupos rivais dum determinado país.

Muitas formigas guerreiras não sabiam bem por que estavam tão dispostas a dar a própria vida no campo de batalha, apenas percebiam que as suas comandantes eram suficientemente persuasivas para levá-las a odiar as irmãs do grupo político rival. Cada uma só pensava em apagar completamente qualquer rival que lhe aparecesse pela frente.

Aquela guerra terrível entre formigas compatriotas durou mais de vinte e sete anos e só terminou porque a formiga-rainha de um dos grupos foi morta, após ter sido atraiçoada por algumas das suas operárias guerreiras e por aliadas estrangeiras que forneceram ao grupo inimigo a exata localização da sua comandante-em-chefe.

Que bom, acabou a guerra! – disse o povão formigueiro que aproveitou para dançar nas ruas durante quase 24 horas ininterruptamente, até ao nascer do sol do dia seguinte; toda a festa do Zé Povão era justificável, após o longo cansaço de ter sido usado e aniquilado pelo fogo entre os dois grupos conterrâneos, como o “o mexilhão que sempre leva a pior quando o mar bate na rocha”.

O pior é que feitas as contas da mortandade, chegou-se à triste conclusão que os 27 anos de guerra tinham dizimado mais de 3 milhões de formigas daquele país, um verdadeiro genocídio antes nunca visto em todo o planeta dominado pelas formigas. Será que as formigas desse país já estavam um degrau acima das restantes, no caminho para se transformarem em formigas-humanas? Não era possível, mas era uma questão a ser investigada cientificamente...

Outra conseqüência trágica daquela guerra fratricida tinha sido a quantidade de formigas mutiladas pelas minas terrestres. Falava-se em cerca de um milhão, sem pernas, braços ou algo mais. Uma verdadeira tragédia que parecia não conhecer fim, pois se dizia que o terreno estava cheio de minas perigosíssimas prontas a matar e mutilar uma quantidade infindável de formigas que porventura ousassem voltar à vida pacífica e normal no meio rural, onde teriam forçosamente de percorrer os seus antigos caminhos de trabalho organizado e próspero.

Calma! Eis que surge uma luz no fim do túnel! Outro país de formigas laboriosas e pouco afeitas à guerra, nas margens ocidentais do Atlântico Sul, tinha inventado um helicóptero que fazia a desminagem de modo bem acelerado. Uma lobista representante da fábrica de tais helicópteros deslocou-se ao país minado para fazer a proposta de venda pela módica quantia de 450 mil dólares por unidade, dentro de um programa a fundo perdido da OFU – Organização das Formigas Unidas, que estava muito interessada em que tudo voltasse o mais rapidamente possível à normalidade no país das formigas que tinham cessado recentemente as hostilidades. Algumas formigas-ministras manifestaram o grande interesse do seu governo na aquisição dos helicópteros para a desminagem e fizeram uma proposta – muito estranha para a lobista e muito familiar para elas, ministras – o preço de cada helicóptero deveria ser aumentado para 3 milhões e 200 mil dólares, devendo reverter a diferença de preços totalmente em benefício de alguns membros daquele governo, pois tinham feito grandes sacrifícios pessoais para conseguir derrotar o grupo rival e achavam-se merecedoras desse prêmio. Como a OFU não aceitou o preço incrementado, por ter sido considerado exagerado ao ser comparado ao de outro helicóptero similar fabricado por outro país de formigas que habitavam para os lados do extremo oriental do Mediterrâneo, e com o qual não era possível haver “esquema”, então, o magnífico negócio dos helicópteros-sapadores simplesmente não aconteceu... A maioria da população nacional que tinha se acumulado durante a guerra em grandes aglomerados urbanos, sem grande qualidade de vida, teve medo de regressar ao campo porque os trabalhos de desminagem continuaram a se processar em passo de caracol e não de formiga...

Não sei por que é que resolvi escrever esta Parábola das Formigas (?)... Talvez, porque eu sou um fã incondicional do Grande Mestre que tinha o hábito saudável de falar desse modo às pessoas que o seguiam, como atesta a declaração: “E não lhes falava nada a não ser em parábolas” (Marcos 4:34). Eu resolvi imitá-lo por saber que seria muito mal compreendido por alguns dos meus leitores, se resolvesse desabafar muito abertamente sobre as tais coisas que me têm ferido a sensibilidade há muito tempo. Realmente, como o Grande Mestre nos ensinou, cada pessoa só compreende as coisas do mundo a partir da sua própria perspectiva. Por isso, Ele ensinou muito por parábolas.

Como ocorreu com as pessoas do tempo de Jesus, as parábolas não mudam em nada os eventos da nossa vida, mas podem nos ajudar a vê-los com outros olhos. A Parábola das Formigas não terá o poder de mudar o que acontece, mas pode mudar as nossas crenças sobre determinados acontecimentos do nosso mundo, sem abrir mais algumas feridas que têm demorado a cicatrizar.

Uma coisa é certa: qualquer semelhança entre o país das formigas assassinas e um país de humanos, eventualmente existente, é a mais pura coincidência! A menos que humanos tenham a possibilidade de se transformar em formigas... Cada um dos leitores é responsável pela proposição dessa possibilidade!

Um grande abraço do
Kabiá-Kabiaka.

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