Para que o tema seja devidamente situado no espaço e no tempo, se torna absolutamente necessário recordarmos as origens dessa grande odisséia. As seculares causas da emigração açoriana são muitas vezes olvidadas, portanto, é bom irmos lá atrás e meditarmos como tudo começou.
O arquipélago dos Açores, desde a sua descoberta e colonização no século XV, foi eleito pelos reis de Portugal como um celeiro no meio do Atlântico, daí a sua tradicional vocação para a agropecuária. Nos Açores se reabasteciam as caravelas, nas suas rotas para as Américas do Sul e do Norte e para a África e Índia. Assim, o sonho de todo o habitante das nossas nove ilhas sempre foi ter o seu quinhão de terra para cultivar e criar o seu gado. O trigo era o principal produto agrícola do arquipélago na época dos descobrimentos marítimos, conforme asseveram diversos documentos históricos.
Nos séculos XVII e XVIII, ou seja, duzentos e trezentos anos após o povoamento das ilhas, os açorianos conheceram sucessivas crises na agropecuária, como resultado da conjunção de dois fatores fundamentais: 1) o poder absoluto dos capitães donatários, que distribuíram a terra de forma discricionária, interferindo de forma injusta na doação de sesmarias e deixando muitas famílias com pouca terra, enquanto uns poucos amigos viraram grandes proprietários; 2) o esgotamento da fertilidade do solo, que ocasionou um excedente de mão-de-obra desempregada e fez com que o pouco trigo produzido fosse encaminhado pelos comerciantes locais para a exportação, visando um maior lucro do que o conseguido localmente. Outros fatores menores, mas também importantes, contribuíram nessa época para a crise. Quando do povoamento das ilhas, a legislação das sesmarias garantia a existência dos baldios ou terras de uso comunitário, que eram utilizados pelos lavradores mais pobres para a criação de gado miúdo, coleta de frutas silvestres e corte de lenha. Ora, chegada a crise, o provedor da Fazenda Real, fazendo uso duma legislação do tempo da ocupação espanhola, propôs acabar com os baldios e passá-los às mãos de empresários agrícolas, com maior capacidade de investimento do que o poder público. Além disso, à época, houve várias catástrofes naturais que recorrentemente, ainda hoje, acontecem nos Açores: secas, pragas, tempestades, abalos sísmicos e erupções vulcânicas. Por exemplo, em fevereiro de 1718, a Ilha do Pico foi muito destruída por um vulcão.
Quando havia crise económica e escassez de alimentos, as autoridades açorianas vendiam a idéia de que o problema era de excesso de população, para evitar alterar a estrutura agrária, e apelavam para a solução da emigração dos mais pobres, para um Novo Mundo a colonizar. Alguns nobres também viam na emigração a oportunidade de expandir o seu poderio, conquistar terras que lhes dessem novos títulos de nobreza ou de recuperar o domínio perdido, em caso de decadência. Para outros, em número muito reduzido, somente clamava mais forte no âmago o eterno convite da visão do infinito e da aventura, eternizado poeticamente por Vitorino Nemésio: “O que dá este espírito errante ao ilhéu senão o mar? O ilhéu duvida. Mas o mar está ali. Essa é que é a verdadeira força”.
Enquanto isso, em terras brasileiras, a Coroa Portuguesa disputava a posse da terra contra os espanhóis, ao sul, e contra os holandeses e franceses, ao norte, fazendo valer a estratégia de povoar antecipadamente as terras em litígio. A colonização de base estável garantiria a ocupação económica e militar efetiva e viabilizaria a estratégia de fazer valer em ulteriores negociações diplomáticas com os nossos rivais o princípio do uti possidetis – “quem povoa domina”, à revelia do Tratado de Tordesilhas. No sul do Brasil a prioridade era o povoamento desde o Rio de Janeiro até à foz do rio da Prata, pois por este era escoada a prata explorada pelos espanhóis no Peru. Neste contexto, a Ilha de Santa Catarina, localizada a meio caminho entre o Rio de Janeiro e a embocadura do Prata, assumia relevância estratégica vital para os interesses portugueses. Assim, estavam criadas, Aquém e Além-Mar, as condições para El-Rei D. João V lavrar em seu edital de 1746, enviado ao corregedor das ilhas dos Açores: “D. João, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves d’Aquém e d’Além-Mar em África Senhor da Guiné &, faço a vós saber que os casais de pessoas que quiserem ir para o Brasil, o transporte será às custas da Minha Real Fazenda”.
Um comentário:
A história está muito bonita, aqui o autor está bem presente..... Gostei muito, pode continuar.
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