quarta-feira, janeiro 10, 2007
MULEMBA DO CATOFE
sexta-feira, janeiro 05, 2007
AS VERSÕES E A HISTÓRIA
Como resposta provisória, afirmo que ninguém tem interesse em falar a verdade sobre o assunto, principalmente, os políticos que promoveram o processo colonizador da “portugalidade multiracial e pluricontinental” - lembram-se? - e o da “descolonização exemplar” - quem pode esquecer?
A Angolapress (http://www.angop.ao/) fala que “a 4 de Janeiro de 1961, centenas de camponeses da ex-Companhia de Algodão de Angola (Cotonang) foram mortos pelos colonialistas portugueses”. Outra agência de notícias - Angonotícias - muito eficaz ao serviço do regime governamental vigente em Angola, no artigo com o título “Associação da Baixa de Kassanje leva Portugal à justiça”, refere o “massacre, em 4 de janeiro de 1961, de cerca de sete mil camponeses angolanos da região de Kassanje, Malanje”. A mesma página de notícias, sob o título “Quatro de Janeiro, o dia dos Mártires da Baixa de Kassanje”, diz que “no dia 4 de janeiro de 1961, mais de 10 mil agricultores da ex-companhia de algodão de Angola (Cotonang) foram assassinados pelo exército colonial português na baixa de Kassanje, província de Malanje”.
O nosso escrito visa primordialmente render homenagem aos mortos, que com o seu sangue vertido sobre uma terra abençoada assinalaram o canto do cisne dum regime podre e caduco que optou pela fuga em frente, em vez de optar por uma abordagem responsável de um problema exclusivamente político, cuja solução negociada teria evitado um longo clima de guerra de 41 anos (1961-2002), que ainda deixa hoje muitas feridas abertas.
Agora, quanto aos números dos sacrificados, nunca os que detêm o poder de um lado e de outro tiveram qualquer interesse em falar a verdade. Esta caberá aos historiadores que, na pesquisa meticulosa e no devido distanciamento temporal e emocional e com o devido registro documentado das ocorrências, terão um compromisso indefectível com a cientificidade. Senão, vejamos como é incerto o discurso político estampado nos números das notícias supracitadas. Quando se fala de centenas, significa que estas podem chegar a nove, ou seja, cerca de novecentos, pois passando de dez centenas só tem cabimento falar de milhares. Quem reivindica indenizações teria interesse em exacerbar os números e ao falar de “cerca de sete mil”, certamente, quer dizer que os mortos se situaram entre seis mil e sete mil. Todavia, quem quer dar ao povo um motivo para se sentir patriotamente indignado contra o explorador colonialista fala em “mais de dez mil”.
A verdade é que estas andanças dos números identificam uma concepção “orwelliana” do poder por parte de quem os divulga e quer transformá-los em verdade absoluta, pois têm uma visão totalitária e falsificadora da História.
Por falar em visão “orwelliana” do poder, lembrei-me do seguinte texto de George Orwell, em 1984:
“As estatísticas eram tão fantásticas na versão original quanto na retificada. Com efeito era função do pessoal inventar estatísticas tirando-as da própria cabeça. Por exemplo, o cálculo do Ministério da Fartura, prevendo a produção trimestral de botinas num total de cento e quarenta e cinco milhões de pares. A produção real, dizia-se, fora de sessenta e dois milhões. Todavia Winston, ao reescrever a previsão, reduzira a cifra a apenas cinqüenta e sete milhões, de modo a poder protestar, como de hábito, que a cota fora superada. Em
qualquer caso, os sessenta e dois milhões estavam tão perto da verdade quanto cinqüenta e sete milhões, ou cento e quarenta e cinco milhões. Com toda a probabilidade, não haviam fabricado botina alguma. Ou, mais certo ainda, ninguém tinha a menor idéia de quantos calçados tinham sido produzidos; nem ninguém se importava. Tudo o que se sabia é que, em cada trimestre, quantidades astronômicas de botinas eram produzidas no papel, ao passo que talvez metade da população da Oceania andava descalça. E assim era com todos os fatos registrados, pequenos ou grandes. Tudo se fundia e confundia num mundo de sombras no qual, por fim, até a data do ano se tornaria incerta”.
A finalizar, também, li no Folha8 on-line que “Na baixa de Cassange duas tribos rivalizam a posse de espaço de garimpo e vai daí chacinam-se mutuamente. Resultado, seis falecidos e uma vintena de feridos. O administrador inteligentemente desvaloriza o facto a que não atribui contornos étnicos. Queira Deus. Era só o que nos faltava, agora.” (http://www.folha8news.com/). Eu pergunto: quem vai pagar as indenizações às famílias enlutadas, desta vez?...
Vamos desarmar os espíritos em 2007!